Segundo relatório, São Paulo é o estado que mais contrata pessoas trans
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Segundo relatório, São Paulo é o estado que mais contrata pessoas trans

O 5º Relatório da Empregabilidade TRANS no Brasil, produzido pela TransEmpregos, revelou que São Paulo é o estado brasileiro que mais emprega pessoas transgênero, com 67,9% das contratações, seguido por Rio de Janeiro (9,9%) e Rio Grande do Sul (3,7%). Apesar destas megalópoles serem um centro de oportunidades à comunidade LGBTQIAPN+, movimentos liderados pela direita e o aumento de crimes contra comunidade surgem como impeditivos para a sobrevivência do grupo.

Pelo 16º ano consecutivo, o Brasil continua sendo o país que mais registra homicídios de transexuais, com 105 mortes em 2024, conforme divulgado pela Rede Trans Brasil. Embora esse número represente uma queda de 12% em relação a 2023, quando foram registrados 119 assassinatos, a realidade ainda é alarmante. Isso ocorre, em parte, devido à continuidade de políticas públicas e projetos que dificultam a empregabilidade e o reconhecimento social dessa população.

O mercado de trabalho é amplamente afetado por tal perspectiva. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), apenas 4% das pessoas trans e travestis possuem vínculo empregatício formal, enquanto 0,02% teve acesso ao Ensino Superior.

Morena Lovateli, mulher trans e embaixadora da Fatal Model, plataforma de anúncios de acompanhantes, conta que, no início de sua carreira profissional, cedeu aos padrões estéticos do universo corporativo. Para o seu primeiro emprego, adiou o processo de transição e adotou vestimentas masculinas.

Eu me lembro de comentários como ‘com esse cabelo grande ninguém vai te contratar’ ou ‘com essas roupas femininas ninguém vai te dar uma oportunidade’. Imaginei que seria diferente, mas após várias entrevistas e não ser aprovada em nenhuma delas, cortei o cabelo, vesti roupas masculinas e deixei a barba crescer. Consegui um emprego, e foi nesse lugar que passei pela minha transição. Meu maior desafio foi lidar com as reações das pessoas que não estavam acostumadas a ver uma mulher trans na empresa. Mesmo com apoio, como o direito de usar o banheiro feminino e ter meu crachá com meu novo nome, enfrentava olhares de desprezo, risos ou até comentários sexistas, como se eu fosse um brinquedo sexual para uma experiência”, lembra.

A influenciadora acredita que a busca por emprego, enquanto mulher trans, é desafiadora. A necessidade de atualizar documentos, como o nome e o gênero, e os obstáculos impostos pela intolerância atrapalham a permanência dessas profissionais. Um levantamento da Agência AlmapBBDO e do Instituto On The Go revela que 80% das pessoas transexuais já se sentiram discriminadas em alguma etapa de seleção para um trabalho formal.

“Se você começou a transição antes dos 18 anos, o processo é ainda mais difícil, porque é preciso obter o certificado de reservista, algo que me deixou traumatizada. Além disso, é necessário atualizar todos os documentos nos órgãos competentes. Também é preciso ter a mentalidade de ocupar seu espaço, sabendo que muitos não vão aceitar sua presença e que o caminho será mais difícil do que o de outras pessoas. Se fosse mais fácil, veríamos muitas mais mulheres trans ocupando grandes cargos, complementa.

De acordo com os dados do 5º Relatório da Empregabilidade TRANS no Brasil, existem profissionais trans em todos os estados do país, estando cerca de 1.062 profissionais empregados, o que representa uma variação de 21% em relação a 2023.  Diante deste cenário, a população transgênero busca autonomia no trabalho sexual. Ainda conforme a Antra, estima-se que 90% da comunidade tem a prostituição como principal fonte de renda. A profissão, reconhecida pelo Ministério do Trabalho em 2002, tem se desenvolvido a partir das demandas do grupo.

Retratada em narrativas pré-históricas, a prostituição é considerada a profissão mais antiga do mundo. No entanto, raízes conservadoras da sociedade posicionam o trabalho sexual como um tabu. 

“O trabalho sexual me trouxe dignidade. Quando eu trabalhava no regime CLT, recebia um salário mínimo. O valor era usado para pagar as contas. Eu morava sozinha e, muitas vezes, não sobrava para as necessidades básicas de dentro de casa. Desde muito cedo, compreendi o que os homens buscavam comigo. Aprendi que todos os homens que me procuravam por redes sociais ou de relacionamento ou até mesmo na rua tinham o mesmo papinho, os encontros eram sempre voltado para sexo às escondidas. Comecei a monetizar esses encontros e, depois de pesquisas, me tornei uma profissional. Hoje em dia, consigo dormir tranquila com as contas pagas. Faço o meu horário de trabalho e ainda tenho tempo para lazer, cuidar da saúde e fazer faculdade — tudo isso graças à minha profissão, que me trouxe autonomia”, relata.

O avanço dos meios de comunicação possibilitaram discussões sobre o tema e, hoje, há uma maior defesa pela garantia dos direitos àqueles que trabalham na área. A popularização de plataformas como a Fatal permitem que acompanhantes tenham um acesso facilitado aos clientes, além de se manterem em um espaço seguro para a atuação profissional.

Além da segurança, o avanço das plataformas abraçou muitas mulheres trans que antes só atendiam nas ruas. Eu sempre tive a ideia de que, na rua, pode acontecer qualquer coisa, não sabemos o que nos aguarda. Já nas plataformas de anúncios, há a possibilidade de trabalhar de casa pelo atendimento virtual e de poder negociar direto no seu WhatsApp. As redes sociais acabam desmistificando o que se sabia da profissão”, continua Morena.

Ainda, a construção de uma rede de apoio é de extrema importância para a sobrevivência das acompanhantes no país. A formação de laços de confiança permite às profissionais uma maior compreensão acerca dos direitos e necessidades demandados pelo grupo. Desta forma, trabalhadoras trans desviam da marginalização imposta à comunidade.

“Na nossa profissão, é muito comum se sentir sozinha porque as pessoas acabam se afastando. Quando falamos de trabalho sexual, falamos de mães, pais, mulheres e homens trans que iniciam sua jornada na profissão e acabam sem saber sobre os seus direitos ou os cuidados com a saúde. Ter uma rede de apoio é ter com quem contar”, conclui Morena.

Fernanda Azevedo
(11)97658-7928
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